sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Conclave

Seu Benjamin foi o ultimo a chegar, veio com o cão. “O cão não pode entrar”, ”pode”, “não pode”... No final o cão entrou, reclamaram mesmo só por reclamar. A mesa redonda de madeira tinha marca de cigarro... mas seu José dono da casa e da mesa não fumava há quinze anos, “ordens médicas” falava isso com ironia encarando o Dr. Francisco, o médico em questão.
Tinha um garoto no canto da porta, que se assustava com os berros daqueles velhos geralmente tão brandos e suaves, mas que se tornavam tão bravos e jovens naquelas horas: “truco”, “seis”... “doze, seu filho da mãe, doze!”
No final do dia, Maria reclama dos feijões espalhados na mesa, José se senta sozinho na varanda, toma uma dose de cachaça e se emociona.

domingo, 15 de novembro de 2009

Cinco ventiladores não fazem um ar condicionado

Não é disso que eu quero falar, se pudesse não falava de nada. Correria nu por aí e depois me jogaria no mar...
São nove horas da manhã e o relógio já marca 35ºC (sim, eu disse relógio, um daqueles que também marca a temperatura. Você com certeza já passou por um deles).
Depois de encarar um ônibus lotado me dirijo ao escritório, mais vinte minutos de caminhada. Terno, gravata, suor, calça, suor, meia, suor, sapato, suor... Entro no prédio e a recepcionista me olha de cara feia, minha única alegria é o ar condicionado da sala dos estagiários. Quebrado. Não acredito! Tudo aponta para o dia mais quente do ano e o ar não esta funcionando. Cinco ventiladores ligados sopram vento quente de um lado pro outro.
Olho todos dentro da sala, contando comigo somamos o total de quatro estagiários, todos vestidos, ninguém tirou ao menos o terno. Todos transpiram feito porcos!
Queria um café, mas não me atrevo a tomar... Hoje vai ser um longo dia!

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Pela manhã

Maria ajoelha,
É fonte de fé
Pede a boa ida
Pro nobre José
Que tem fé parelha
Mas sofre da vida
E acorda danado
Num gesto calado
Pedindo café

sábado, 31 de outubro de 2009

A Hora da Partida

O fato é que tinha, no lugar da usual severidade, horror no seu olhar. Aqueles olhos azuis que mais pareciam duas luminárias, que sempre me causaram certo terror, encontravam-se fixos em mim, de tal forma que me causava dor no peito só de encará-los de volta.
Piscou duas vezes: na primeira, passou os olhos pelo aposento escuro; na segunda, tornou olhar na minha direção. O horror neles havia aumentado, parecia dizer- me alguma coisa. Abriu a boca numa tentativa débil de comunicar-me algo... Nunca soube o que ele queria... Naquele exato momento enfartei fulminantemente.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Quando dona Lúcia morreu a rua se assustou, percebendo que os bons também morrem. Nem a mais gorda das fofoqueiras do bairro soltou um pio de sua maldade, constrangida com a morte, que dessa vez deu um golpe baixo demais.
Todos pareceram mais velhos, comentando a fraqueza da vida e a tristeza do fim, praqueles homens e mulheres, de repente a morte se revelou em tudo, as vozes sopravam baixo o preço das coisas, ou o que precisavam comprar, ou que o filho já não vinha mais.
Qualquer que fosse a necessidade de fala, era um sussurro temente à fragilidade do corpo, que podia arrebentar. A morte, quando levou dona Lúcia, parecia ter se mudado pra lá, praquela cadeira que ficou vazia, mas não parava de balançar.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Telefonema da Esperança

-Morreu?!
-Não, não... tá tudo bem, a cirurgia foi um sucesso!
-Ahhhhhn...que bom!!
Juro que senti uma leve decepção no tom de voz, mas mantive a conversa...
-É! Daqui a três dias recebe alta.
-Assim tão rápido?! (exclamou a senhora S. do outro lado da linha, agora num tom de surpresa)
-Como eu disse, deu tudo certo, esses dias de internação serão, somente, para observação.
-Entendi... e quem vai ficar com ele?
-Eu, obviamente.
-Se você quiser, eu posso...
-Não tem necessidade.
-Tudo bem, faço uma visita amanha, então. Quem vai estar ai na parte da manhã?
-Minha avó e eu.
-Mas vai passar esse tempo todo aí, sem tomar banho nem nada?
-Trouxe roupa o suficiente pra ficar os três dias e a refeição o acompanhante tem direito.
-Bem... fica com Deus e mande um abraço pra ele!
-A senhora também!
-Tchau! - e antes do telefone atingir o gancho, ainda pode-se ouvi-la exclamar – Esse filho da puta não morre!!

*******

-Quem era?
-Era a dona S.
-Hum...
-Que foi?
-É que senti um arrepio... Mas essa velha não morre, hein?!

terça-feira, 7 de julho de 2009

É possível anotar a vida, dizia para mim o velho poeta, mas não a dela, completava seu pensamento enquanto entornava para dentro o café. Não é possível anotar a vida de nenhuma delas. O problema não é que elas sejam realmente incompreensíveis, mas que seria doloroso demais entendê-las. Esse é o drama dos homens, espero que isso não passe despercebido pela sua geração, ou por você.
Eu não entendia o que o velho poeta dizia, mas como poderia? Era um menino, e queria continuar sendo, e o fui por muito tempo. É que o homem não cresce aos poucos, envelhece em um só gole, um pesado e profundo gole, que fica apenas mais amargo quando pensamos sobre ele.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Vem aí bom tempo, o pescador me confirmou.

Morava sozinho, numa casa velha que ficava numa dessas vilas antigas (que, hoje em dia, praticamente não existem mais). Sua senhora havia falecido há pouco tempo, pouco mais de um mês, ele tornou-se recluso, passou a sair pouco e pegou a mania de ficar no escuro à noite, nem a televisão ligava. Seus filhos almoçavam com ele todo domingo, mais por se sentirem obrigados do que por vontade própria (até porque não fingir preocupação com um senhor de oitenta e quatro anos...).
Sentava-se todos os dias na varanda, sempre no mesmo horário. E assim que se aprumava na sua cadeira de balanço: chovia! Antes sentava-se ali com sua mulher para conversar. Agora deixava-se observar a chuva por longo tempo, as vezes passava horas imóvel sem desviar os olhos do céu e sou rosto assumia uma expressão mais branda e menos triste. Os vizinhos diziam: “seu Pedro deve ter esclerosado de vez, ninguém em perfeito juízo fica olhando chuva por tanto tempo!” ou então “Coitado! Desde que dona Matilde se foi ficou assim meio aluado” ou ainda os mais jovens balançando a cabeça ”Todo dia esse velho maluco sai na hora da chuva”.
Num dia um dos moradores da vila, uma jovenzinha que havia herdado a casa da sua avó, notou que não estava chovendo na “hora da chuva”, saiu de casa e deparou-se com céu que nunca vira, um arrebol belíssimo ocupava o horário da chuva. E a cadeira do seu Pedro estava vazia.

sábado, 20 de junho de 2009

Música do tempo

Hoje prefere da cadeira, o balanço,
Entoando o próprio ranço
No barulho da madeira.
Peleja contra a melodia,
Em versos sem esperança,
O gemido rouco lança
Uma ode à arritmia.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Seu Astolfo

I

Seu Astolfo caminhava nos seus comuns passos lentos pelo seu jardim, mas de forma tão natural que parecia deslizar, ao chegar à frente do seu banco favorito parou. Deu uma longa olhada ao redor, suspirou, e orgulhou-se do belo jardim que tinha e que ele mesmo cuidava, apesar de sua avançada idade. Sentou-se. Um vento frio soprou e ele chegou um pouco mais para o lado de forma que ficasse no sol.
Mergulhado em profundo pensamento, seja lá o que um homem idoso pensaria, exibia certo sorriso... Talvez estivesse pensando na sua juventude, nas coisas que realizou, talvez no pé de amora do qual tanto gostava e que começava a dar frutos... mas foi interrompido por um outro sorriso, da sacada a doce Bel sorria-o, o que fez com que seu Astolfo apresentasse um sorriso ainda maior. De abrupto ela virou-se e correu. Em questão de segundos entupia seu astolfo de perguntas, como fazem as crianças pequenas e curiosas.
-Vovô, o que você ta fazendo no sol? Por que ta sentado ai sozinho? – ele apenas sorriu. E como se aquilo respondesse tudo ou ignorando as próprias perguntas Mabel prosseguiu- -Me conta uma história?
-Uma história? Mas isso são horas pra histórias? Conto uma a noite!
-Mas eu quero uma agora, de noite o senhor vai acabar não lembrando ou vai dizer que me conta uma amanhã, e vou acabar ficando sem ouvir história nenhuma. -Riu com a esperteza da neta, pigarreou e começou: “Era uma vez”... (e colocou na história tudo que as meninas, principalmente as de seis anos, gostam que tenham: princesa, príncipe encantado, um reino bonito, vilão...).
A verdade é que ele sempre gostou dos vilões, eles que tinham graça, sem eles todas as histórias seriam enfadas, então caprichou no vilão que criou, mas tanto que sua neta ficou com medo e desistiu de ouvir a história. Contudo não se chateou de forma alguma, o seu Astolfo; imaginou o final da história na sua cabeça e riu ao perceber que ficaria muito mais aborrecido se tivesse que destruir seu vilão.

terça-feira, 9 de junho de 2009

post explicativo (4)

na foto: o grande amigo que nunca tivemos

Oh, vida!

...esse gosto ao mesmo tempo resignado e desesperado que tem o vinho com rolha afundada.

Mario Quintana

terça-feira, 26 de maio de 2009

“Eu não vou!”
Ele bateu a bengala tão forte no chão que o interfone tocou.
“Não, está tudo bem, foi meu pai... isso, com a bengala de novo... não, ele não vai.”
Saí logo em seguida, é a minha quinta visita ao velho sem que eu o convença a mudar daquela casa cheirando a jornal, maldito cheiro que ele insiste em dizer que era o da minha mãe.
Já estou ficando conhecido no prédio e na rua, tomo sempre um café com o porteiro quando estou saindo da casa: “é Jorge, eu já não sou jovem também, vou me aposentar esse ano, mas tenho a terrível sensação de que o “Velho” é mais lúcido que eu, mesmo com toda aquela teimosia”.
E quando saio de lá, o jornaleiro: “Seu Felipe, como vai o velho? Turrão como sempre?... Ah aquele lá não tem jeito, quando eu era garoto ele dava umas bengaladas na gente se deixasse a bola cair na sacada...”.
Eu sempre sorria, parava, conversava... Descobri que meu pai não é impenetrável como pensava, na verdade toda aquela rua girava em torno dele e do seu ranço pelo mundo, aquelas pessoas amavam o meu pai e eu, aprendia a amá-lo por elas. “Quarta feira eu volto, vai saber se ele não muda de idéia”.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Escada em Espiral

...Ele tentou ignorar, mas ela o chamou ainda mais alto, acabou tendo que voltar para cumprimentá-la.
-Oi, há quanto tempo! Nunca mais o vi por ai...
-Andei viajando – respondeu em um tom meio duvidoso. - ela riu; sabia que ele havia mentido.
-Legal! Foi para onde?
-Na verdade não estava exatamente viajando, estava em Teresópolis...
-E como estão todos por lá? Foi fazer o que lá?
-Bem, bem. Quase não os vi, indo e voltando pro Rio todo dia por causa do trabalho, chegava muito cansado em casa e ia direto dormir. Fui colocar a cabeça no lugar, dar uma descansada, acabei ficando quase três meses. E você?
-To bem! Abri outra loja... Vamos lá pra casa, tomamos um café e colocamos o assunto em dia, ainda moro aqui perto, no mesmo lugar. – Joaquim tentou pensar em alguma coisa pra recusar o convite, mas nada lhe ocorreu , acabou aceitando com um aceno de cabeça.



-Hahahahaha – ela riu no momento em que lhe entregava a xícara – Sabia que você ia se sentar ai. Você sempre sentava ai na escada quando conversávamos madrugada adentro.
-Tem alguma coisa reconfortante na sua escada, nunca soube explicar o que é.
Ela parecia muito confortável com a situação, falava e ria com naturalidade, enquanto Joaquim se esforçava terrivelmente para sorrir e levar o assunto adiante.
-Voltou quando de Tere?
-Hoje mesmo, na parte da manhã – de nada adiantou ter ficado lá tanto tempo pra hoje acabar encontrando com você, ele pensava.
-Sentiu saudade do calor daqui, né? Você ia à praia sempre que podia!
-É verdade e acabei enjoando de subir e descer todo dia, leva-se muito tempo só fazendo isso.
-Tô vendo, não sobrou tempo nem pra você fazer a barba – Joaquim levou a mão no rosto e só então percebeu como estava barbado. De repente assustou-se, Larissa havia repousado a cabeça no seu ombro, ela nunca havia sentado ao seu lado na escada. – Acho que entendi o que você quer dizer com o lance reconfortante que minha escada tem. – Ele terminou o café que restava e com um movimento suave afastou a cabeça dela do seu ombro, deixou a xícara em cima da mesinha de centro e saiu.

terça-feira, 12 de maio de 2009

O velho dos olhos amarelos

O velho passeia com o cachorro,
Que melancolia!
(É Belo Horizonte e ele sobe o morro)
Seu cão é sua única companhia

O peito dói a cada passo
E o cão não é mais do mesmo porte
Mas veja o olho, ainda aço,
De quem já causou alguma morte.

Pela tarde puxa o charuto
O cheiro que nunca perdeu
E tenta sofrer algum luto
Pela vítima que esqueceu.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Post explicativo (3)

Para não pensarem que só existem velhos necessariamente conservadores e que o café é símbolo das grandes propriedades e coronéis... temos a prova que este também pode ser bebido por Che Guevara e seus adeptos!
E, no mesmo clima, abaixo uma poesia muito, muito bonita, do poeta cubano Eliseo Diego (1920-1994):

TESTAMENTO

Habiendo llegado al tiempo en que
la penumbra ya no me consuela más
y me apocan los presagios pequeños;

habiendo llegado a este tiempo;

y como las heces del café
abren de pronto ahora para mí
sus redondas bocas amargas;

habiendo llegado a este tiempo;

y perdida ya toda esperanza de
algún merecido ascenso, de
ver el mar sereno de la sombra;

y no poseyendo más que este tiempo;

no poseyendo más, en fin,
que mi memoria de las noches y
su vibrante delicadeza enorme;

no poseyendo más
entre cielo y tierra que
mi memoria, que este tiempo;
decido hacer mi testamento.
Es
éste: les dejo

el tiempo, todo el tiempo.

sábado, 2 de maio de 2009

.

Completava oitenta anos. Levantou-se cedo e ficou fitar o seu reflexo no espelho por um longo período, sorriu um sorriso amarelo e desceu para o café da manhã.
A comemoração começou no almoço, com todos os filhos e netos presentes e com os amigos restantes. De presente surpresa seus filhos, músicos, assim como o pai, haviam preparado uma pequena apresentação, iam tocar uma composição do aniversariante (a favorita dele, que tinha feito anos atrás pra sua esposa), uma música que não ouviam há 20 anos.
No inicio da música o velho até tentou sorrir, mas o ritmo novo que seus filhos impunham o deixou mal-humorado. “Se queriam estragar alguma música minha que estragassem, mas não essa”- pensava o velho, agora, ainda mais velho. Ao notar a insatisfação do pai os músicos pararam de tocar. O velho levantou-se e caminhou até eles, tomou o atabaque do filho mais velho. Segurou o instrumento com aquele ar ranzinza de quem sabe das coisas, sentou-se e numa batida forte ditou o verdadeiro ritmo da música. Batia rápido como se tivesse mais de duas mãos
Mas ao término da canção devolveu o atabaque ao filho e dirigiu-se ao seu quarto com uma leve expressão de satisfação e seus costumeiros passos cansados.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Um dia a memória assaltou meu corpo sem avisar, “esses olhos são aqueles”... lá no fundo do espelho eu vi o mesmo tom que a idade parecia ter roubado, “quem diria, ainda há um pouco daquela doçura em mim, ou pelo menos uma vontade!”

— João, faz favor!
— Claro.
— Meus olhos ainda se parecem com o céu?
O velho colocou seus óculos e olhou concentrado para os olhos daquela senhora que tão bem conhecia:
—Não, o céu não é mais tão azul.







nota:http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2009/03/12/poluicao-reduziu-azul-do-ceu-nos-ultimos-30-anos-754812966.asp

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Caffè Macchiato

Encontraram-se acidentalmente na cafeteria, sentaram-se na mesma mesa e tentaram dizer alguma coisa, mas o que saiu foi um “há quanto tempo!” quase simultâneo, ele sorriu enquanto ela corou. Alguns segundos desconcertados.
-Expresso como sempre?
Ricardo deu uma risada leve antes de responder – às vezes tomo um cappuccino, mas só quando vou naquela cafeteria que costumávamos ir. – Mais uns segundos desconcertados, dessa vez mais ele do que Camila (que de certa forma parecia triunfante)
-Nunca mais fui lá. ...ainda toma sem açúcar?
-Só coloco açúcar quando o café está intragável, o que não é o caso. Eu estou estranhando é você tomando um café simples ao invés do usual caffè macchiato.
-O último que tomei não foi tão bom...
-Hmmm, onde foi?
-Na cafeteria que freqüentávamos, no dia em que terminamos – Dito isto ela virou seu café como se fosse uma dose de cachaça e levantou-se, e só quando estava na porta, quase saindo, disse – Bom te ver! Espero nos encontrarmos mais vezes. – Ricardo fez um leve gesto com a mão entre um tchau e sinal de espera, mas ela já tinha saído.
Depois da saída dela, enquanto terminava seu café, essas coisas passaram pela cabeça dele “ela conseguiu estragar duas cafeterias de uma vez só e eu dou um murro desgraçado pra achar uma que preste, agora nem essa nem a outra”, mas ele sabia que volta e meia retornaria a elas.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

O velho e o amor

Era como se não usasse chapéu,
Entrou pela casa lhe arrancou o véu.
Falou que era brasa

E era como se fosse rapaz
Entrou feito vento
Interrompendo a paz
E foi forte, nobre, lento.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

42

“Eu já tenho 42 anos”, ele disse. Quarenta e dois! Minha nossa! Desde que eu me lembro meus pais tinham 30 anos, quer dizer meu pai 31 e minha mãe 30 (sei que ele é mais velho que ela um ano). Lembro-me perfeitamente de responder num questionário qualquer de escola, aos 6 anos, que meus pais tinham 30... Até então isso nunca tinha mudado.
Era manhã quando eu o ouvir dizer isso, por volta das 9hrs, eu que levava um copo de café à boca estacionei-o no meio do caminho, assustado por assim dizer. Quando eu achava q eles tinham 30, tinham menos, muito menos, o que quer dizer que muito mais de 12 anos se passaram e eu não percebi. Não quero nem pensar com quantos anos estou.

terça-feira, 24 de março de 2009

Os Argonautas tomavam café

Se não há futuro
Apenas o liquido escuro
Feito oceano amargo

De dentro do Argo
Interrompo a Lira
Entre os homens de ira
Uma xícara basta

Enquanto o mar nos arrasta
Jazão é desperto
E o filho do Érebo não nos chega perto.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Post explicativo (2)

“O café é tão grave, tão exclusivista, tão definitivo que não admite acompanhamento sólido. Mas eu o driblo, saboreando, junto com ele, o cheiro das torradas-na-manteiga que alguém pediu na mesa próxima “
Mário Quintana



A imagem atual se chama Kofetarica da pintora eslovena Ivana Kobilca
http://en.wikipedia.org/wiki/Ivana_Kobilca

quinta-feira, 19 de março de 2009

Longa espera.

Ela sentou-se próxima a janela, chovia e relampejava, algumas gotas atingiam seu rosto. Consultou o relógio, passava das duas da manhã, acendeu um cigarro e deixou-se observar a chuva.
Relutante manteve-se sentada, a chuva havia cessado só os clarões dos raros relâmpagos iluminavam seu quarto. Acendeu outro cigarro e tragou como quem respira fundo para conter um breve momento de ira.
Nervosamente caminhou para a cozinha. Bastava. Três semanas sem tomar café era tudo que podia suportar.
O encontro dos seus lábios com a xícara... depois um longo suspiro. . . e o mundo girava outra vez.

quarta-feira, 11 de março de 2009

— Como assim você não toma café cara?
— Eu simplesmente não tomo... E, sério, eu não preciso.
— Café não é só para não sentir sono, é para acordar a vida, é como uma daquelas pauladas dos velhos zen.
—Só um pouco... ah é horrível, está sem açúcar!
—Ah! Eu sabia que você ia entender.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Carnaval

Carnaval. E o mundo não podia parecer mais triste aos olhos daquela senhora, que quando criança fugia dos seus pais para dançar o frevo.

Hoje limita-se apenas a assistir as escolas de samba na televisão. Triste fim para uma foliã (as pessoas comentam), mas ela, lá no fundo, sabe que carnaval não existe há muito tempo, “carros de som tocando funk”, ela pensa com seus botões, “não é carnaval”.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O turno da meia noite, a melhor coisa nele é quando os olhos começam a coçar, nesse mesmo instante a camisa encosta confortavelmente nos braços e a cadeira acolhe o corpo inteiro. A mão se esfrega no rosto, antes de distraída buscar a garrafa de café, a xícara... Então, os olhos encaram o café que os encara de volta, nesse momento entende-se a vida, toma-se o café e a camisa fica áspera novamente.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

post explicativo


"Um homem é o que ele lê, come e bebe na vida. Logo deve escolher a melhor leitura, a melhor comida e a melhor bebida, o café..."

Johann Wolfgang von Goethe


A imagem anterior era de uma pintura feita totalmente com café, ela e outras são encontradas em http://www.justcoffeeart.com/.
A imagem atual é uma pintura de Candido Portinari chamada “Cabeça de Velho”.
Achei importante essas referencias.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A velha casa

Quando abriu a porteira foi a primeira vez que notou que ele tinha ido para sempre. Ele sempre a recebia com seu sorriso costumeiro.
Com passos tristes passou pelo jardim, lugar do qual seu avô tanto se orgulhava e cuidava (agora apresentava algumas flores secas).
Entrou na casa, passou os dedos por uns móveis empoeirados, foi até a parede cheia de fotografias encontrou no meio delas uma em que passeava de mãos dadas pelo jardim com ele, mais tarde passariam varias tardes conversando no banco de madeira que ficava de frente para as flores.
Foi até a cozinha, fez um café forte sentou- se na mesa e pôs-se a chorar.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

A cadeira continuou balançando, a rigidez do corpo não assustou as pessoas tão acostumadas com a rigidez do homem, e assim, durante toda a tarde o velho permaneceu morto, sem que ninguém desse por conta.
As mãos continuaram no colo, os óculos no rosto, e a expressão dura que tanto assustava os vizinhos, com aqueles olhos cerrados ao dormir, coisa de quem nunca descansa, nem na morte.
Sei que esse momento de tanta privacidade, essa morte ocultada pela rotina, sem choro ou despedidas, é o que ele iria apreciar.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Seu Astolfo III

-Esses malditos gatos! Ninguém pode dormir com esses miados todos. Odeio gatos! – Levantou-se irritado, pisando forte, abriu a porta da sala, chegou próximos aos gatos e gritou: -AHHHHHRG! – Os gatos fugiram.
Depois de 15 minutos de silêncio novamente os miados, mas seu Astolfo sabia que eles retornariam e da janela mesmo arremessou um balde de água fria nos bichanos que foram embora e não voltaram mais naquela noite.

-Bom dia, Ast! Nossa que cara é essa?
-Não dormi direito, esses malditos gatos... Sabe, Elena? Precisamos de um cachorro, um dos grandes!
-Por que disso?
-Ora, por quê? Pra espantar os gatos, óbvio! Toda noite acordo com seus sons infernais!
-Ah, deixa disso, deixa os bichinhos namorarem em paz!
-Você só fala isso porque tem o sono pesado, dorme feito pedra. Além do mais,
já me decidi. Terminando o café vou lá fora e só volto com um cachorro.

Depois de três horas seu Astolfo voltou com um rottweiler.
-Meu Deus do céu, Ast! - Espantou-se Elena ao ver o tamanho do cachorro.
-É, e só tem três meses! – respondeu sorridente – Já escolhi o nome.
-Qual?
-Matagato.
-Mata gato?
-É, assim mesmo, tudo junto.

Com o cachorro no quintal os gatos nunca mais voltaram, mas seu Astolfo parecia incomodado com alguma coisa. – Que há com você, já têm uns dias que ta meio emburrado?
-Sabe? Vou dar o cachorro.
-Por quê? Ele não espantou os gatos como você queria?
Seu Astolfo respondeu rindo: - É que continuo acordando de madrugada e não tenho mais o que fazer, antes ainda tinha os gatos para espantar.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

“Você sabe o que é olhar a sessenta anos para o céu e ele ter a mesma cor?”
— Nossa que frase linda, o diretor sabe mesmo como é, não é vô? A monotonia da vida...
— Hahahaha, ele não tem nem trinta, sabe nada... e o céu é tão bonito.
—Mas deve cansar um dia.
—Cansa vocês, para mim é melhor que ele fique assim, acho que ele muda demais até. Vocês são muito novos para entender, um garoto não pode entender um velho, aquilo é só uma frase idiota que tive que falar no filme.

O velho vai para fora, acende um cigarro, olha para o céu: “é companheiro, eles sempre querem que a gente mude o tempo todo, mas que desconforto”.