quarta-feira, 22 de julho de 2009

Telefonema da Esperança

-Morreu?!
-Não, não... tá tudo bem, a cirurgia foi um sucesso!
-Ahhhhhn...que bom!!
Juro que senti uma leve decepção no tom de voz, mas mantive a conversa...
-É! Daqui a três dias recebe alta.
-Assim tão rápido?! (exclamou a senhora S. do outro lado da linha, agora num tom de surpresa)
-Como eu disse, deu tudo certo, esses dias de internação serão, somente, para observação.
-Entendi... e quem vai ficar com ele?
-Eu, obviamente.
-Se você quiser, eu posso...
-Não tem necessidade.
-Tudo bem, faço uma visita amanha, então. Quem vai estar ai na parte da manhã?
-Minha avó e eu.
-Mas vai passar esse tempo todo aí, sem tomar banho nem nada?
-Trouxe roupa o suficiente pra ficar os três dias e a refeição o acompanhante tem direito.
-Bem... fica com Deus e mande um abraço pra ele!
-A senhora também!
-Tchau! - e antes do telefone atingir o gancho, ainda pode-se ouvi-la exclamar – Esse filho da puta não morre!!

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-Quem era?
-Era a dona S.
-Hum...
-Que foi?
-É que senti um arrepio... Mas essa velha não morre, hein?!

terça-feira, 7 de julho de 2009

É possível anotar a vida, dizia para mim o velho poeta, mas não a dela, completava seu pensamento enquanto entornava para dentro o café. Não é possível anotar a vida de nenhuma delas. O problema não é que elas sejam realmente incompreensíveis, mas que seria doloroso demais entendê-las. Esse é o drama dos homens, espero que isso não passe despercebido pela sua geração, ou por você.
Eu não entendia o que o velho poeta dizia, mas como poderia? Era um menino, e queria continuar sendo, e o fui por muito tempo. É que o homem não cresce aos poucos, envelhece em um só gole, um pesado e profundo gole, que fica apenas mais amargo quando pensamos sobre ele.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Vem aí bom tempo, o pescador me confirmou.

Morava sozinho, numa casa velha que ficava numa dessas vilas antigas (que, hoje em dia, praticamente não existem mais). Sua senhora havia falecido há pouco tempo, pouco mais de um mês, ele tornou-se recluso, passou a sair pouco e pegou a mania de ficar no escuro à noite, nem a televisão ligava. Seus filhos almoçavam com ele todo domingo, mais por se sentirem obrigados do que por vontade própria (até porque não fingir preocupação com um senhor de oitenta e quatro anos...).
Sentava-se todos os dias na varanda, sempre no mesmo horário. E assim que se aprumava na sua cadeira de balanço: chovia! Antes sentava-se ali com sua mulher para conversar. Agora deixava-se observar a chuva por longo tempo, as vezes passava horas imóvel sem desviar os olhos do céu e sou rosto assumia uma expressão mais branda e menos triste. Os vizinhos diziam: “seu Pedro deve ter esclerosado de vez, ninguém em perfeito juízo fica olhando chuva por tanto tempo!” ou então “Coitado! Desde que dona Matilde se foi ficou assim meio aluado” ou ainda os mais jovens balançando a cabeça ”Todo dia esse velho maluco sai na hora da chuva”.
Num dia um dos moradores da vila, uma jovenzinha que havia herdado a casa da sua avó, notou que não estava chovendo na “hora da chuva”, saiu de casa e deparou-se com céu que nunca vira, um arrebol belíssimo ocupava o horário da chuva. E a cadeira do seu Pedro estava vazia.